Documento apresentado para
Escola de Liderança de Igreja
Escola Andrews/UNASP-EC
Por Umberto Moura, dtp
Liderar a igreja hoje tem desafios que nunca foram sequer imaginados pelas gerações passadas. Definitivamente estamos num outro tempo. Não apenas porque estamos num novo milênio, numa era de tecnologia e sofisticação, numa era de conquistas científicas e facilidades tecnológicas, mas principalmente porque estamos trocando de ideologia, de pensamento, de mentalidade à luz do dia. E apesar desse silencioso, porém importante acontecimento, governos, empresas e organizações sociais pouco ou nada estão atentando sobre isso, que dirá a igreja.
A história que se fazia depois de revista e reciclada, depois de repetida como farsa, diria Nietsche, depois de escrita e revisada nos livros, agora é feita de manhã e lida no início da tarde com todos os seus requisitos e padronizações. Estamos falando da pós-modernidade, senhores líderes. E talvez alguém dirá, somos líderes de igreja, no que isso nos interessa? Interessa até ao ponto em que afeta todos nós como seres humanos que vivemos em sociedade. E a igreja é uma organização de pessoas. E pessoas interessam.
Seu bem estar social e psicológico, sua harmonia como membros de uma mesma comunidade, sua unidade fraterna, seu comportamento coletivo, sua interação em grupos, sua adoração nos cultos, sua aceitação pessoal, sua inclusão congregacional, tudo isso envolve o pós-modernismo, e compreendê-lo melhora a visão de liderança eclesiástica.
Pós-modernidade
“A pós-modernidade é uma ideologia”, diz Frank Usarski,[1] que envolve o coletivo em sociedade, e que está alterando o comportamento de uma geração inteira e abruptamente. Compreender a pós-modernidade pode ajudar um líder de igreja a compreender porque aquele jovem não larga o celular, aquele irmão não quer se envolver com os trabalhos da igreja, aquela jovem senhora se veste daquele jeito; ou porque os cultos de quartas-feiras estão vazios, e a escola sabatina é pouco frequentada; porque ninguém quer mais vir ao culto jovem de sábado à tarde, e muitas outras situações que enfrentamos na liderança da igreja.
Começo repetindo Usarski ao dizer que a sociedade esperou muito da ciência como geradora de solução de problemas, mas que se deu contrário – a ciência é parte do problema ou até a causa de muitos problemas. Esperou-se que as escolas resolvessem os problemas, mas estas hoje têm mais problemas dentro de si mesmas que sua capacidade de resolver os problemas da sociedade. E as igrejas, em que estão contribuindo? A esta pergunta cada líder precisa ter uma resposta.
A pré-modernidade foi definida pela forma da sociedade, que foi distinguida da sociedade arcaica onde todos tinham acesso ao que o mundo dispunha: saber caçar, pescar, tinham um xamã para todos, água para todos, comida para todos, tempo para todos.
A diferenciação começa quando a sociedade produz mais do que consome. Sobrando pessoas nas ocupações básicas. Aí começam as atividades artísticas, financeiras, assistenciais, esportivas e religiosas.
A modernidade caracteriza-se justamente por construir uma sociedade funcionalmente diferenciada. Nascem os setores de competências – direito, religião, ciências – e todos com valores próprios. O ser humano sai de casa – primeiro o homem, depois a mulher – para trabalhar numa terra que não é sua, numa fábrica que não é sua e pela qual é ensinado e cobrado a dar tudo de si. Esse contexto atravessa o tempo e chega a pós-modernidade que, dependendo de sua referência, começa no início dos anos 70 ou 80 do século passado.
Entendendo o homem pós-moderno
Este homem que agora trabalha numa concorrida empresa é ensinado a dar a vida por ela. E é o que ele faz – dá a vida, sangra a vida no seu trabalho. Descobre que amor próprio não funciona na empresa, não existe piedade pela concorrência, tudo tem seu preço e nada tem valor, valor agregado emocional não conta, jogo é jogo, e quem entra no jogo é jogador, vale dribles, fingimentos, mentiras, vale tudo pela vitória, cuja glória só resiste até o próximo jogo. É este homem que, voltando para casa precisa funcionar de maneira diferente. É este homem que, quando vai para a igreja, precisa funcionar de maneira diferente. Mas quem é este homem?
O que significa tudo isso para o homem pós-moderno? Ele tem uma biblioteca de papéis, diz Frank Usarski – papéis diferentes para cada função, para cada etapa e, às vezes, para cada momento do dia. Quando vai ao mercado tem um comportamento, quando vai ao trabalho tem outro comportamento, quando está com a família em casa tem outro comportamento e quando vai à igreja tem outro comportamento.
É importante entender este homem. O perfil do homem pós-moderno é, geralmente jovem – porque a pós-modernidade na realidade começa ali, há 30 ou 40 anos -, de múltiplos papéis, comportamento pluralizado, habilidades variadas, que gera como consequência a superficialidade que, por sua vez, afeta seus valores, relações e sentimentos.
É um homem sem profundidade, sem compromissos responsáveis, de relacionamentos rápidos, de respostas prontas, de objetivos fluidos e, principalmente, sem destino. Ele não sabe para onde vai porque o destino é muito distante. E ele tem pressa de chegar. Todo alvo distante é distante demais para sua ansiedade. Alguns não conseguem nem chegar a sua casa no final do dia porque fica distante, e ele prefere ficar mais perto com amigos e companhias duvidosas, mas que preenchem aquele momento seguinte. Ele precisa de algo para preencher esses espaços vazios perturbadores.
Enquanto a ciência está mostrando as fronteiras do universo cada vez mais distante, as fronteiras humanas estão cada vez mais exíguas, porque mais exclusivas, num mundo que não tem muito espaço para humanos e o pouco que cada um consegue não quer dividir.
Se fosse possível, se tivéssemos dinheiro, cada um de nós compraria uma ilha para passar o fim de semana. E por que só o fim de semana? Porque não suportamos a solidão das ilhas. Precisamos do contraste para descobrir o valor do que não temos, já que o que temos tem cada vez menos valor, pressionados pelo inconformismo, pelo consumismo e pela volatilidade das coisas, visto, como diz Zygmunt Bauman: “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. Esse mesmo que vai dizer que “o homem é um animal sem solução”.[2]
Compreendendo o homem pós-moderno
Pouco antes disso, o homem já sofria de estresse, mas ainda era romântico para acreditar, para ter amigos, quando Zé Rodrix, com certeza conhecido por alguns aqui, cantava:
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar do tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras pastando
Solenes no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
E um filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão,
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau a pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais
É o anseio de um homem de outro tempo, e não faz muito. O anseio do romântico que ainda acredita na paz, no amor, na amizade; é um homem que ainda gosta de livros, que ainda lê.
Este homem está em extinção, se é que ainda existe, porque a sociedade pós-moderna não tem mais papel para ele. Para que serve um pensador, um romântico, numa sociedade que tem pressa, numa população que só pensa em voltar para casa para assistir futebol, ou seu programa favorito na TV, ou se plugar na internet, ou colocar suas contas sociais on line em dia, que vai dormir tarde porque não consegue se livrar dos alucinógenos midiáticos.
Este é o homem pós-moderno, este é o cristão pós-moderno, e ele, em geral, não sabe disso, não está consciente disso. Quando o homem saiu da sociedade agrária para a sociedade moderna, ele percebeu que estava crescendo, enriquecendo, adquirindo coisas que seriam perpetuamente suas e de seus familiares. Hoje não, mesmo tendo adquirido muito ele não consegue se livrar da angústia de sua alma, gerada pelos medos, pelas inseguranças, pelas tragédias que cada vez mais acontecem mais próximo de sua casa.
Se há cem anos o homem estocava alimento por medo de que viesse a passar fome, hoje ele estoca conhecimento com medo de passar por ignorante. Mas o conhecimento, ao mesmo tempo que lhe projeta, que lhe infla, também lhe sangra, enquanto também lhe mostra que “a coisa tá feia”, que o conhecimento não vai lhe dar a paz, não vai lhe dar uma esposa ou um esposo dos seus sonhos, não vai lhe dar filhos obedientes e amorosos, e o pior, não há remédio para sua angústia na farmácia. Ele pode comprar o colchão, como já disseram, mas não pode comprar o sono, pode comprar a casa, mas pode comprar um lar, pode comprar o descanso mas não pode comprar a paz.
Este é o ser humano que encontramos nas igrejas. Cada um com seu smartphone, o pregador com seu tablet, e cada um mais vazio que o outro. Plugados num satélite, mas desconectados entre si e, muito pior, desconectados de Deus.
Este homem, que correu durante a semana inteira, entrou no sábado revivendo problemas, não encontrou tempo suficiente para libertar-se das preocupações, da angústia e quando chega na igreja vive um fenômeno parecido com o encontro das águas na Amazônia, chamado Pororoca. Uma água sai arrepiando a outra, e assim a Palavra de Deus quando pregada com poder vai arrepiando a alma desse miserável homem, solitário, angustiado, confuso e infeliz.
Às vezes estou na igreja e percebo as mentes voando. Uns voltam para o escritório, outros voltam para a fábrica, outros voltam para a sala de aula, outros voltam para as imagens da internet, outros voltam para os problemas conjugais, outros voltam par a cenas da noite passada, e quando o pregador diz: “Se você quer mudar a sua vida venha aqui à frente, quero orar por você”, ele vem cambaleando, ébrio de angústia e solidão, ou vem flutuando em sua superficialidade existencial, como se ainda tivesse na cabeça apenas o fone de ouvidos.
Sem nenhuma concentração para entender o poder de Deus em sua vida, sem nenhuma vontade santificada que lhe dê forças para lutar contra seus infortúnios, sem nenhuma convicção de que seus problemas serão resolvidos, o que poderia ser um refrigério é apenas uma mão de cal sobre o túmulo de sua alma; o que poderia ser uma mudança de vida é apenas um bem-estar passageiro até a próxima crise; o que poderia ser um reavivamento espiritual é apenas um passatempo espiritual.
Conclusão
Num diálogo improvável, Jesus pergunta:
“Que daria o homem pelo resgate da sua alma?” (Mc 8:37)
“Então Satanás respondeu ao Senhor, e disse: … e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida” (Jó 2:4).
Ao que Jesus finaliza:
Então “que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?” (Mt 16:26).
Quem está numa igreja quer se salvar. Não podemos ser como os escribas e fariseus que fechavam aos homens o reino dos céus; e nem entravam nem deixavam entrar (Mt 23:13).
Muito menos ser um escândalo, pois “qualquer que escandalizar um destes pequeninos, que creem em Mim [disse Jesus], melhor lhe fora que lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho, e se atirasse na profundeza do mar” (Mt 18:6).
Seu trabalho como líder da igreja de Deus é digno, é honroso, é santo; mas como o trabalho dos sacerdotes da velha dispensação, também é perigoso.
Que Deus nunca retire de sobre você a Sua graça para que possa ministrar como santos homens e santas mulheres de Deus ao santo povo do Senhor.
[1] “A religião pós-moderna” – Frank Usarski. https://www.youtube.com/watch?v=6zkpViIuXBA, 31 de julho de 2012.
[2] Ver Zygmunt Bauman, Modernidade liquida (Rio de Janeiro: Zahar, 2001).