Somos comissionados por Deus para ser condutos de bênçãos entre todos os povos. No contexto do Antigo Testamento, Abraão ocupa um papel de destaque nos estudos em missiologia. Na sequência da confusão da torre de Babel, quando os habitantes se espalham pela face de “toda a Terra” (expressão que aparece em Gênesis 11: 1, 4, 8 e 9), falando diferentes línguas, Deus inicia o plano de testemunhar através de um povo. No capítulo 12, o chamado missionário de Abrão, aquele que seria o “pai de muitas nações” (Gn 17:5), torna-se o modelo pós-diluviano. Como Walter Kaiser Jr. aponta, se fôssemos identificar uma “grande comissão” no Antigo Testamento, essa deveria ser Gênesis 12:3, “por meio de você todos os povos da Terra serão abençoados”.
Embora o verbo “enviar” não esteja presente, os imperativos dos versos 1-3 (“saia”, “vá”, “farei” “tornarei”, “abençoarei” e “amaldiçoarei”) indicam o envio de Abrão em direção a uma terra desconhecida para ele, com o propósito de ser uma bênção nesse lugar. Abraão não ficaria fixo, mas se espalharia (Gn 11:2 e 4), e Deus tornaria grande o seu nome (12:2).
Uma expressão do verso 3 tem chamado a atenção de missiólogos: “todos os povos”. Às vezes traduzida por “todas as nações”, essa expressão se refere a famílias e grupos étnicos e não a divisões políticas ou geográficas. Apesar do foco primário em Abraão, o registro bíblico sobre outros patriarcas, descendentes de Abraão, demonstra a continuidade dos propósitos missionários de Deus.
A promessa de bênção às nações através de Abraão aponta para a sua função como representante divino e condutor da justiça, da graça e da glória. Na história da redenção, Deus “anunciou primeiro as boas novas a Abraão” (Gl 3:8). Assim, pela fé, quando chamado, ele obedeceu e dirigiu-se a um lugar que mais tarde receberia como herança, embora não soubesse para onde estava indo (Hb 11:8). Abraão peregrinou na terra prometida antecipando o reverso da torre de Babel na cidade escatológica, “cujo arquiteto e edificador é Deus” (Hb 11:10).
Jesus fala sobre o encontro final dos filhos de Abraão no reino de Deus (Mt 8:11-12). Segundo Cristo, os verdadeiros filhos de Abraão se sentirão enviados a abençoar os povos do norte, sul, leste e oeste. E, pela fé, eles continuarão peregrinando rumo ao banquete celestial.
Alguns temas missiológicos importantes despontam na aliança abraâmica. Primeiro, Deus é a fonte e o iniciador da missão. Segundo, esse é um Deus que envia. Terceiro, o propósito salvífico de Deus é para todos os povos. Quarto, o envio está centrado na bênção. Como o pleonasmo intencional de Steven C. Hawthorne sugere, Deus espera que Seus filhos sejam “abençoados para serem uma bênção abençoadora”. Somos enviados para abençoar.
“Muitos ainda são provados como o foi Abraão. Não ouvem a voz de Deus falando diretamente do Céu, mas Ele os chama pelos ensinos de Sua Palavra e acontecimentos de Sua providência. Pode ser-lhes exigido abandonarem uma carreira que promete riqueza e honra, deixarem associações agradáveis e proveitosas, e separarem-se dos parentes, para entrarem naquilo que parece ser apenas uma senda de abnegação, dificuldades e sacrifícios. … Quem está pronto, ao chamado da Providência, para renunciar planos acariciados e relações familiares? Quem aceitará novos deveres e entrará em campos não experimentados, fazendo a obra de Deus com um coração firme e voluntário, considerando por amor a Cristo suas perdas como ganho?” (Ellen White, Patriarcas e Profetas, p. 127).
Marcelo Dias, doutor em Missiologia pela Universidade Andrews e professor da Faculdade de Teologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo.