Liderar é um peso. E é um desafio mesmo para os que têm, ao que tudo indica, um “dom natural” para a lide- rança, um tino especial para lidar com gente, vislumbrar horizontes, resolver problemas, ser proativo, pagar o preço e inspirar. Não importa o tamanho de suas asas nem quantos oceanos você já cruzou. Tampouco importa a experiência dos anos, a força da juventude, as mais favoráveis e inusitadas correntes de ar sobre as quais já plainou, nem sequer o enorme prazer de voar em bando, pois nada disso elimina completamente aquela carga invisível, mas real, inerente à liderança; aquilo que alguns chamariam, talvez, de “ossos do ofício”.
Nesses “ossos” estão calcificadas as frágeis virtudes de cuja solidez depende a força da estrutura que permite su- portar a pressão do dia a dia, com suas fadigas e fardos. A coragem, por exemplo, não elimina o medo de errar nem diminui a responsabilidade, especialmente quando deixamos de insistir um pouco mais, buscar mais, desejar ir mais lon- ge, sem esmorecer. O líder acaba aprendendo isso. Descobre que é preciso ser destemido sem ser temerário; ser, ao mesmo tempo, prudente e audaz; ousado e humilde; arrojado e centrado; motivado sem ser impetuoso; concentrado no principal, mas sem descuidar dos detalhes. Curiosamente, a contradição parece ser a matéria-prima do produto que ele espera alegremente oferecer ao público com cara, embalagem e cheiro de coerência, de ordem, de perfeição.
O peso do exemplo
O líder é chamado a ser exemplo, mas ao olhar-se no es- pelho nota que, em muitos aspectos, ele não é nem pode ser! Eis a tragédia do humano. Contudo, lá no seu íntimo, ele abriga o sórdido desejo de ser exemplar, diferente, melhor; nem que seja só um pouquinho mais, para diminuir o desconforto de não ser Deus. Aliás, é assim que alguns seres humanos olham para os outros, como se fossem deuses. Vão além do respeito; prestam reverência. Vão além do elogio sincero; louvam lisonjeiramente. Vão além da jus- ta admiração; recolhem-se em sua alegada insignificância.
Extrapolam. Esperam mais do que acertos; querem perfeição. Ofendem-se por muito, por pouco e por nada. Desejam coi- sas que não se atreveriam a pedir nem ao Papai Noel nem ao gênio da lâmpada; se eles existissem, é claro! Agem como se uma posição administrativa eliminasse aque- la essência humana à qual todos estamos inexoravelmente acorrentados.
Daí o peso da liderança. Andar no fio da navalha. Não poder rir demais nem de menos. Nem comer demais, nem de menos. Nem falar demais, nem de menos. Não elogiar demais, nem de menos. Não mandar demais, nem de menos. Não insistir demais, nem de menos. Não sonhar demais, nem de menos. Não se ausentar demais, nem de menos. Não agradar demais, nem de menos!
Não dá para ser tudo. Não dá para fazer tudo. Não dá para ser exemplo em tudo. Mas é possível ter metas elevadas, alçar voo, esticar as asas e cortar o céu azul, desajeitadamente (ou não), e ajudar outros a fazer o mesmo, sobretudo aqueles que ja- mais o fariam sozinhos, carentes que são de alguém que vá à frente, abrindo o caminho, reduzindo o risco, diminuindo as in- certezas, dando segurança, “perdendo as penas”, curtindo a paisagem, animando, esquivando-se de uns problemas, resolvendo outros. Alguém que queira correr os riscos, ou por gostar mesmo de adrenalina, ou por apreciar a endorfina que vem depois que tudo dá certo e todos ficam felizes. Alguém que não se preocupa em que sua presença seja notada, mas aprecia quando sua falta é sentida, pois bem sabe o valor que tem. Alguém que faz a diferença, porque acredita que é possível, que vale a pena, e porque foi necessário; não porque quisesse sobressair e massagear seu ego com aplausos estrepitosos e vazios.
O peso das decisões
É fácil ser mal-interpretado, mas alguns não deixarão de expressar afeto por causa disso. Porão na balança. Tomarão decisões difíceis. Correrão o risco. Ficarão, dentre os males, com o menor. A crítica sofrida tende a ser proporcional ao grau de autoexposição do criticado. Ainda assim, alguns se exporão. Não perma- necerão na comodidade das sombras ou do anonimato. Levantarão os olhos. Não ficarão prostrados. Seguirão em frente. Como? Por fé, idealismo, raça, acidente ou vocação, não importa! Eles avançarão, sob críticas injustas ou não. Em meio a tem- pestades evitáveis ou não. Eles encontra- rão uma forma de abstrair. Acharão um jeito. Sobreviverão. Mais que isso: Deixarão um legado verdadeiro, algo que não tenha o formato de seu umbigo, mas apenas os contornos de suas digitais. Deixa- rão um pouco do perfume das rosas que tocaram e que ofereceram. Serão capazes de inspirar; não a todos, obviamente, mas a alguns, e esses hão de ser suficientes. Quantidade e qualidade nem sempre andam em harmonia. Mas o DNA aprende a se replicar. O tempo fará a semente ger- minar (Sl 126:5, 6). E os que com eles es- tiverem também vão querer ser sal. Luz. Leme. Farol. Âncora. Bússola. Sábios lúcidos. Mestres. Artífices. Pedras polidas, outrora brutas, como aqueles que trilham (ou ao menos tentam trilhar) o mesmo caminho que os fez heróis, ainda que lhes faltem superpoderes, o que não é incomum (2Co 12:7-10).
O peso da glória
Liderar é um peso. E Jesus sabia disso. Assim Ele fez e uniu duas coisas antagônicas, algo que só Ele mesmo seria capaz: Primeiro, chamou homens para abandonar a liderança dos peixes e assumir a liderança de outros homens. Ele humanizou, assim, a vocação para liderar. Tirou o foco do aspecto mercadológico, preveniu contra o excesso de pragmatismo, deu alma ao “negócio”, pôs no centro o bem-estar das pessoas, mas sob a ampla perspectiva do olhar de Deus (Lc 12:15, 24). E não parou aí.
Ele também pegou a parte mais pesada da carga e levou sobre Si (Mt 11:28-30). De que modo Ele fez isso? Oferecendo- nos Seu infinito poder (Lc 18:27; Sl 37:4, 5). Dando-nos lições eficazes e inesquecí- veis (Mt 20:26, 27; Êx 18:13-27). Ele ensi- nou que nossa recompensa não está no reconhecimento social que eventual- mente possamos obter (Jo 5:41, 44) nem no justo salário que venham a nos pagar (Lc 10:7; 1Co 9:14; 1Tm 5:18) nem mesmo nas vidas transformadas pelo efeito direto ou indireto de nosso trabalho (Mc 6:10, 11; 1Tm 4:16), coisa que nem sempre podere- mos ver ou mensurar (Jo 4:37, 38). Ensinou que o que fazemos nunca é vão quando feito com a motivação correta (Mt 6:1-4; Ef 6:6; 1Co 15:58; Hb 6:10), mesmo que os métodos falhem e os resultados sejam es- cassos (Mt 5:11, 12; Hb 3:17, 18). Deu-nos razão para crer em milagres, sendo um dos maiores a beleza e leveza de uma vida com propósito, vivida para abençoar pessoas que não merecem, mas que são – como você e eu – objeto do amor Daquele que nos deu os dons que fazem de nós aquilo que somos, o mesmo que gere os assuntos do Universo, que o rege com incansável maestria e que nos convida a ser Seus aprendizes e imitadores (Mt 11:29).
Portanto, não desanime! Pare, respire e siga em frente, não com resignação, mas pela convicção; não por obrigação, mas por solicitude (1Co 9:16-19). Transforme o limão em limonada. Faça a cruz se tornar ponte, uma ponte sobre o abismo. Perca peso. Fi- que leve. Troque o peso da vida presente pelo peso da glória futura, não atentando para as coisas que se veem, porque as que se veem são temporárias, mas as que não se veem, essas são eterna (2Co 4:16-18).
Por Júlio Leal
Doutor em Educação e editor de livros didáticos na Casa Publicadora Brasileira.
Publicado na Revista Ministério – 2º Bimestre 2018.